sábado, 2 de agosto de 2025

Homenagens

 Busto de Zé Rufino é inaugurado em Jeremoabo

Patrono da Companhia Independente de Policiamento Especializado (Cipe) Caatinga, Zé Rufino, o policial militar Coronel José Osório de Farias, um dos maiores combatentes do Cangaço, recebeu uma homenagem post mortem da Câmara Municipal de Jeremoabo, na manhã desta sexta-feira (1º/08).


No início do ato na Câmara houve a concessão do título de cidadão de Jeremoabo a Zé Rufino, que foi recebida pelos familiares do policial militar, e em seguida ocorreu a formatura de 21 policiais militares no Curso de Rastreamento de Combate, que tem como objetivo capacitar o efetivo para atuação, emprego e execução de ações de rastreamento de combate nas operações policiais em ambiente rural.

A solenidade contou com as presenças do subcomandante do Policiamento em Missões Especiais (CPME), tenente coronel Ibrahim Almeida, do comandante do 20º Batalhão, tenente coronel Marcos Davi, do chefe de Coordenação de Documentação e Memória da PMBA, tenente coronel Raimundo Marins, do comandante da Cipe Caatinga, major Érico de Carvalho, oficiais e praças da corporação.

Os três primeiros colocados foram premiados pelo mérito intelectual: o sargento Valni Rodrigues de Queiroz Filho (1º lugar), da Cipe Sudoeste, o capitão Wilton Panta da Silva (2° lugar), da 54ª CIPM, e o soldado Leôneo Pereira Freitas, do Bope, conquistou a 3ª colocação.

A segunda edição do Curso rastreamento de combate iniciou em 21 de julho com 21 policiais militares, sendo 20 da PMBA e um da Polícia Militar do Piauí (PMPI), que passaram por instruções, treinamentos e atividades simuladas, contabilizando 140 horas aula.

Após a conclusão da solenidade, foi realizado um cortejo que saiu da da Praça do Forró até o Cemitério Municipal de Jeremoabo, onde um busto no túmulo do Coronel José Osório de Farias, o Zé Rufino, foi inaugurado.

Neto do militar, o cabo Melquisedeque, lotado no 20º Batalhão, destacou a importância dessa lembrança para toda a família. “Me sinto muito honrado com nesta homenagem ao meu avô que foi um grande combatente contra o cangaço”, afirmou.

Nascido em 20 de fevereiro de 1906, Zé Rufino ingressou na Polícia Militar da Bahia em 1934, sendo promovido a segundo tenente em 1939 para mais tarde chegar ao posto de coronel da PMBA. Ele foi comandante da volante contra o cangaço e ficou conhecido por confrontar Corisco. Faleceu em 20 de fevereiro de 1969, exatamente no dia em que completou 63 anos.


Publicao originalmente no Site da PM/BA

quinta-feira, 31 de julho de 2025

Mané Véio

Matador de Lampião ameaça su1c1d@r-se!

Pesquisa: Guilherme Velame Wenzinger.




Transcrição do texto:

SÃO PAULO (CS) — O ex-caçador de cangaceiros, Euclides Marques da Silva, vulgo “Manoel Velho”, que integrava a volante que liquidou Lampião e seu bando, em carta enviada ao seu advogado, ameaça suicidar-se caso seja adiado, mais uma vez, seu julgamento, marcado para a próxima segunda-feira, perante o 1.º Tribunal do Júri. Na ocasião, será julgado também seu irmão, Josafá Marques da Silva. Ambos são acusados de coautoria de duplo homicídio qualificado, o que os sujeita à pena máxima de até 60 anos de reclusão cada um.

O CRIME

Por ordem de Euclides, que pagou 30 cruzeiros novos pela empreitada, Josafá, de encomenda, por volta das 13 horas do dia 13 de junho de 1966, na rua Piratiningui, assassinou a tiros de revólver a esposa e a filha do mandante, Maria Bosco da Silva e Jovina Marques da Silva. Euclides estava se separando da esposa e mandou matar as duas mulheres por entender que elas estavam onerando o seu orçamento. Há vinte e dois anos, em Jeremoá, na Bahia, eliminara a primeira esposa a tiro de fuzil por suspeitar de sua fidelidade. Permaneceu foragido até a prescrição do delito.

QUATRO ADIAMENTOS

O julgamento dos dois irmãos já foi adiado 4 vezes, principalmente por falta de número regulamentar de jurados. Tudo indica, porém, que tal fato não voltará a se repetir agora. Na carta que enviou ao advogado Flavio Markman (que deverá requerer cisão do julgamento, a fim de que seu constituinte seja julgado separadamente), Euclides, referindo-se aos sucessivos julgamentos diz que “aos poucos já me mataram quatro vezes”.

Afirmou que “isso não é modo de tratar um homem que ajudou o povo a se ver livre dos cangaceiros. Se não for julgado desta vez, eu dou cabo da vida. Eles vão ter que arrastar meu cadáver para o tribunal”.

Adendo Lampião Aceso

Aspecto da casa em que Mané Véio morou em Piranhas,AL (2023).

Foto: Kiko Monteiro


quarta-feira, 30 de julho de 2025

Lugares de memória

O Cajueiro e a casa de Adauto Felix

Por Manoel Belarmino

Eu, o prof. Orlando de Carvalho e Vera Ferreira (Neta de Lampião e Maria Bonita), estivemos no Povoado Cajueiro (Poço Redondo). Na oportunidade, conversamos com moradores e visitamos uma relíquia histórica que está ali testemunhando que Poço Redondo é mesmo um poço de história e cultura... 


Aos fundos da foto acima, a casa histórica que pertenceu ao coiteiro de Lampião, Adalto Felix. Aquela casa do coiteiro do Cangaço na comunidade ribeirinha do Cajueiro, nas margens do Rio São Francisco, em Poço Redondo, é uma relíquia da história do Cangaço em Sergipe e Poço Redondo.

O visitante que vai ao Cajueiro não só saboreia as delícias do peixe na mesa e do banho na praia d'água doce, mas pode  olhar um pouco a história do lugar e do seu povo e contemplar o que há de mais belo da paisagem do Sertão.


Além da Capela de Santa Ana, pintada de azul, misturando-se com a luz do Sol da tarde, ali na Rua da Frente, pertinho das águas do Velho Chico, está, mais para o centro do Povoado Cajueiro, a casa onde o coiteiro de Lampião Adauto Felix morou. A casa está ali resistindo ao tempo como uma velha testemunha da história do Cangaço e do povo ribeirinho do Sertão do São Francisco.

sexta-feira, 25 de julho de 2025

 Vingança, não: a fatalidade histórica derrotada

cangaco cangaceiro paraiba chico pereira jarda vinganca perdao
Editado em 1960, pela Livraria Freitas Bastos do Rio de Janeiro, "Vingança, não" foi um livro marcante. Recuperava um episódio da história do cangaceirismo por uma ótica duplamente original: pela mensagem de perdão e pelo envolvimento emocional do autor, na sequência dos fatos.

Com a beleza de sua palavra, com a coragem de expor as entranhas de um drama que poucos ousariam passar a limpo, com a severa imparcialidade que se impôs, padre Chico Pereira Nóbrega conquistou o público. Principalmente a juventude estudantil, tanto secundarista quanto universitária, de quem ele se tornou um líder.

cangaco cangaceiro paraiba chico pereira jarda vinganca perdao
Éramos todos seus leitores e corríamos para ouvi-lo em conferências inesquecíveis. Trazia uma pregação inovadora, questionamentos que vinham ao encontro de nossas inquietações. Não falava de céu, nem de inferno, nem de castigos ameaçadores. Falava da construção do ser, da vida e do amor, tema de sua predileção. E nos ensinava a pensar, a duvidar das verdades sacramentadas, das verdades ditas inquestionáveis.

O sucesso do livro trouxe logo a segunda edição, no ano seguinte ao lançamento. E, depois, as reedições permaneceram suspensas por quase três décadas. Era a consequência de revelações que alteravam substancialmente a história contada pelos vencedores. Por fim, a terceira edição veio em 1989 e a quarta, em 2002, patrocinada pela FUNESC.

O autor segue a clássica distinção aristotélica de que a história narra o que realmente aconteceu em determinado tempo e lugar. A arte, o que poderia ter acontecido, o possível de acontecer em qualquer tempo e lugar. Define seu livro como depoimento e não, romance. Sendo categórico na Introdução: "Poderia escrever em forma de romance, mas não quis. O real constrói mais que o imaginário". É uma declaração de princípio que se completa com outras duas afirmações: "Tomo, agora, a imparcialidade de quem não tem partido. Não é o filho, é o historiador quem fala".


Francisco Pereira Dantas (1900—1928)
Fonte ▪ Lampião Aceso
Ler com atenção o preâmbulo é pré-requisito para a compreensão do livro, na perspectiva do autor: como "trabalho de precisão histórica". Essa precisão ele construiu, recolhendo a pluralidade dos pontos-de-vista através dos quais lhe foi contada a história, ao longo de muitos anos. Retirando da tradição oral a parte lendária. Buscando a confirmação dos fatos, através da pesquisa em processos criminais de seis comarcas, pertencentes a três Estados, e confrontando as versões com os jornais da época.

Também lhe serviu de subsídio um folheto autobiográfico, deixado pelo pai. Além da carta do Tenente Coronel da Reserva da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Genésio Cabral de Lima, relatando a execução de Chico Pereira, da qual ele participou, com outros policiais daquele Estado, em 28 de outubro de 1928, perto de Currais Novos. Espancaram, até a morte, o prisioneiro algemado. Desfiguraram-lhe o rosto. E simularam um acidente de automóvel para esconder O crime.

Esta carta constitui o documento de maior impacto, pela crueldade dos detalhes rememorados e pelo convencimento do Tenente, afirmando-se, ainda, um benfeitor da coletividade. Nele, o filho encontra a resposta para o mistério que envolveu, por mais de trinta anos, o desaparecimento do pai. Pode, enfim, ler o atestado de óbito e visitar a cova. Simbolicamente, consegue sepultar o pai.


Esposa de Chico Pereira e mãe do padre Chico Pereira Nóbrega
Fonte ▪ Mulheres do Cangaço
É o objetivo do depoimento: reconstituir os fatos, preencher lacunas, restaurar a memória que as paixões deformaram. Sem fazer de Chico Pereira um herói.

A heroína é Jarda, a mãe que soube compreender, amar, resistir, perdoar e educar para o perdão. A mulher sábia e forte que se opôs ao que parecia fatalidade histórica, encaminhando os filhos para um outro destino.

Localizado no espaço e no tempo, o relato inclui as pessoas com os nomes próprios. Presidentes, coronéis, juiz, delegados, comerciantes, famílias, cangaceiros, etc., cada um com seu papel no tempo sociológico que o autor metaforiza pela semelhança com a geologia: "A era em que tudo era fogo, larvas devoradoras, explosões contínuas, desagregações. Era dos vulcões vomitando maldições". E logo se impõe a correlação: nas entranhas da sociedade, o sectarismo da política partidária, gerando o arbítrio, promovendo a impunidade e a injustiça, com a mesma força destruidora das explosões, do fogo e das larvas.

Começa a história com o assassinato do Coronel João Pereira, avô do autor, provocado dentro de seu estabelecimento comercial. Era o tempo das obras contra as secas, na Presidência de Epitácio Pessoa. O sertão encontrava, no atendimento aos operários das construções, um mercado consumidor significativo. E foi a disputa de poder político e financeiro, entre os proprietários de dois barracões, que originou o conflito.


Pai de Chico Pereira e avô de Chico Pereira Nóbrega, autor do livro "Vingança, Não"
Fonte ▪ Blog do Mendes
Afirma o autor que "não é imaginação nem exagero". Depois da luta, o sangue "descia o batente, fazendo burburinho de água corrente". O Coronel João Pereira morreu, pedindo aos filhos Chico, Aproniano, Abdias e Abdon que entregassem à Justiça. Vingança, não.

Mas a Polícia, a serviço da política partidária, não prendeu o criminoso, sempre com desculpas evasivas que revelavam a cumplicidade. Então Chico Pereira, num gesto inusitado, pede permissão ao Delegado para trazer Zé Dias. E entrega o assassino do pai à Polícia.

Dentro de uma semana, recebe a notícia de que Zé Dias está em liberdade. Era a deformação do Estado de Direito na provocação insuportável. Chico Pereira passa a não enxergar outra saída, além da vingança. E, meses depois, Zé Dias é achado morto no meio da estrada.

Perseguido pela mesma Polícia que favoreceu o assassino de seu pai, Chico Pereira se fez cangaceiro.

"Vingança, não" reconstitui a trajetória dessa vida que, como tantas outras, as circunstâncias históricas e a injustiça precipitaram no desespero, na loucura da violência extrema.


Fonte ▪ Cariri Cangaço
O filho, padre e escritor, recupera os fatos. Com o poder da linguagem, atualiza episódios, diálogos, gestos que agora se perpetuam para o julgamento da história.

O domínio da linguagem permitiu ao historiador que utilizasse em seu depoimento todos os recursos da narrativa de ficção. Fazer viver os personagens, imprimindo-lhes identidade. Dar força e movimento às ações. Reconstituir a intensidade dramática dos fatos. Recuperar o tempo.

Rachel de Queiroz identificou essa qualidade do livro. E, no prefácio, registra, como ninguém mais poderia, o mérito do autor que escreve história, literariamente. Afirma a grande escritora:


cangaco cangaceiro paraiba chico pereira jarda vinganca perdao
Rachel de Queiroz
"É um depoimento que impressiona pela honestidade. — e se às vezes, como obra de arte que é, se alça às puras alturas da beleza, nunca perde a severa imparcialidade que representa sua marca principal".

Pelos recursos da expressão, se fazem inesquecíveis para o leitor: os tocantes diálogos e monólogos interiores dos personagens; o desassombro dos homens, na violência das lutas; a insólita entrega de Zé Dias à polícia; a invasão de Sousa pelo bando de Lampião; a falta de saída, o isolamento, a desgraça e a resistência do cangaceiro; a deformação do aparato policial do Estado; a reação silenciosa e heróica de Jarda.

E que dizer do cavaleiro misterioso, em seu cavalo branco, aconselhando o perdão e desaparecendo para sempre no pingo do meio-dia? E do grito desesperado da mãe de Chico Pereira, ecoando à noite nos descampados e nas serras,
 
Esposa do coronel João Pereira, mãe de Chico Pereira e avó do padre Chico Pereira Nóbrega
Fonte ▪ Blog do Mendes
chamando pelo filho que ela não sabia já executado e enterrado no Rio Grande do Norte?

Há muito se coloca a impossibilidade do limite entre a realidade e a ficção, sob a forma do questionamento repetido: se é a vida que imita a arte ou a arte que imita a vida. Constatando-se muitas vezes que a realidade vivida se apresenta bem mais fantástica e surpreendente do que a imaginação.

O depoimento do professor Francisco Pereira Nóbrega reitera esta conclusão.

E não é sem motivo que tantos leram essa narrativa, como se fosse um romance, apesar de todas as explicações do historiador e do ponto de vista adotado.

A evidência é que, entre a história e a ficção, os núcleos temáticos se correlacionam. De tal modo que, lendo Vingança, não somos naturalmente impelidos a lembrar Pedra Bonita e Cangaceiros de Zelins. E a constatação é de que a história vivida ratifica, em muitos aspectos, a verdade romanesca.

Comparando Aparício, o cangaceiro criado por Zelins, com Chico Pereira, grandes semelhanças podem ser apontadas entre os dois, desde a entrada no cangaço por imposição das circunstâncias.


cangaco cangaceiro paraiba chico pereira jarda vinganca perdao
Casarão da Fazenda Jacu, em Nazarezinho ▪ Paraíba, onde Chico Pereira nasceu e cresceu / Imagem de 1930 / Local atualmente tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba
Fonte ▪ Tok de História
A partir daí, a vida nômade, o isolamento, a solidão, o desespero sem saída. Não existe caminho de volta para o cangaceiro porque o poder de polícia se exerce como vingança e a justiça está morta.

Outro aspecto relevante nos dois enfoques é a humanização do personagem de ficção e do personagem histórico. Uma visível contestação à ideologia que reduz o cangaceiro a um ser monstruoso, a um bandido sanguinário.


Esse livro é único. Em parte reconstitui a tragédia de um cangaceiro, mas não se encontra aí o seu tema. Na verdade, é um livro sobre o perdão. E mais que isso. Sobre a felicidade de perdoar.
A profunda relação com a família é o argumento incontestável. O cangaceiro amoroso, solidário, preocupado com os seus. O que mais é realçado na ascendência da mãe sobre o filho.

O confronto com a polícia reforça essa perspectiva pela descrição da perversidade como são tratados os cangaceiros, deixando sempre para o leitor a indagação: quem é o bandido?

O desassossego que recai sobre a família dos cangaceiros é outro ponto de convergência entre a ficção e a realidade. Ser irmão, filho, parente de cangaceiro é não ter lugar no mundo. É ser proscrito.

Na ficção de Zelins, é pela ótica da mãe de Aparício que esse problema se caracteriza como maldição. Personagem trágica,
 
cangaco cangaceiro paraiba chico pereira jarda vinganca perdao
sinhá Josefina vai do desespero à loucura, matando-se, enforcada, por não poder mudar a sina da família.

Se os dois escritores se assemelham na colocação dos núcleos temáticos, são diametralmente opostos na visão-de-mundo que conduz o tratamento das questões. Zelins, filiando-se à tradição da tragédia grega, submete seus personagens à fatalidade. Ninguém se salva, todos são vítimas do destino impiedoso e absoluto.

O livro do padre Chico Pereira Nóbrega pertence a outra família do espírito. É uma contestação à fatalidade histórica. A comprovação de quanto pode a consciência humana.

É preciso dizer que o subtítulo não corresponde à dimensão do livro. E me perdoe a ilustre prefaciadora que tanto admiro. É uma injustiça classificá-lo de "mais uma história do Nordeste".

Esse livro é único. Em parte reconstitui a tragédia de um cangaceiro, mas não se encontra aí o seu tema. Na verdade, é um livro sobre o perdão. E mais que isso. Sobre a felicidade de perdoar.


Fonte ▪ Cariri Cangaço
Evitando que os filhos se tornem produto do meio violento, Jarda se torna o símbolo de um poder para o qual o mundo ainda não despertou. O poder da mãe na educação dos filhos. O poder da "professora rural de esmolada mensalidade" capaz de evitar a desgraça e mudar o Destino.

No Brasil conflagrado de hoje, quando as grandes cidades se transformaram em "sertões""Vingança, não" ganha atualidade e faz pensar. É, ao mesmo tempo, a palavra que convence e o exemplo que arrasta.

Deveria chegar a todas as escolas e a todos os presídios, patrocinado pelo Estado e pela Igreja.

Postado originalmente no carlosromero.com.br

terça-feira, 1 de julho de 2025

Que fim levou ?

 A trágica morte de Arsênio

Por: Helton Araújo

Arsênio Alves de Souza nasceu em 01/12/1902, em uma fazenda no município de Campo Formoso-BA, Ficou conhecido principalmente por sua participação no combate da Fazenda Touro, também conhecido como Lagoa do Mel. Nesse episódio, teria sido supostamente morto o cangaceiro Ezequiel Ferreira, vulgo Ponto Fino, irmão de Lampião, no ano de 1931.


Arsênio teria sido o responsável por metralhar o jovem cangaceiro, embora nunca tenha assumido publicamente a autoria do feito.

Mas sigamos, pois o foco desta postagem é outro.

Em 28/12/1955, Arsênio Alves tentava a todo custo passar o final de ano com sua família em Salvador, já que havia perdido o Natal com eles. Ainda fardado, partiu em busca de uma carona que o levasse para casa. Na década de 1950, as estradas principalmente na região sul da Bahia eram de terra e estavam em condições deploráveis.

Na cidade de Belmonte, no sul do estado, Arsênio conseguiu a tão desejada carona em um caminhão que seguiria para Salvador. Na cabine iam ele e o motorista. Em certo ponto do caminho, avistaram uma mulher levando uma criança no colo e outra pela mão.

Comovido com a cena, Arsênio pediu ao motorista que desse carona àquela mãe e seus filhos. O motorista recusou, dizendo que não havia espaço suficiente na cabine do pequeno caminhão. Arsênio, então, se prontificou a ir na carroceria, cedendo seu lugar para a mulher e as crianças.

Mal sabia ele que aquele gesto humano lhe seria fatal. Poucos quilômetros depois, ao fazer uma curva, o motorista perdeu o controle do veículo, que acabou capotando. No acidente, Arsênio teve o crânio esmagado, ficando totalmente irreconhecível. Assim, se encerrava a vida de um dos grandes combatentes do cangaço.

Arsênio Alves tinha 53 anos. Deixou esposa, dois filhos homens e uma filha adotiva. Um de seus filhos, abalado com a tragédia, suicidou-se tomando veneno pouco tempo depois. O outro se entregou ao alcoolismo, vindo a falecer anos mais tarde em decorrência de uma cirrose. Uma família bonita e feliz, destruída por uma fatalidade.

Arsênio Alves de Souza está sepultado no Cemitério Campo Santo, em Salvador, Bahia.

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Bandido ou herói?

"Lampião foi as duas coisas — e muito mais", diz documentarista

'Lampião, o governador do sertão', de Wolney Oliveira, que estreou no último dia 5, desvenda os caminhos entre o homem, o mito e as controvérsias que o envolvem

Por Fabio Previdelli (Revista Aventuras na História)

Cena de 'Lampião, o governador do sertão' 
- Kaja Filmes e Bucanero Filmes

No dia 4 de junho de 1898, nascia em Serra Talhada, Pernambuco, Virgulino Ferreira da Silva, o maior cangaceiro da história do Brasil, popularmente conhecido como Lampião.  Líder do movimento de banditismo, o Rei do Cangaço reinou no Sertão nordestino entre as décadas de 1920 e 1930. 

Agora, 127 anos depois de seu nascimento, sua história é revivida pelo diretor Wolney Oliveira através do filme Lampião, o governador do sertão, que desvenda os caminhos entre o homem, o mito e as controvérsias que o envolvem. A produção estreia neste dia 1º em Fortaleza e chega nas demais cidades brasileiras em 5 de junho.

Lampião já é, ao lado de Maria Bonita, a figura mais notória do cangaço, com todas as controvérsias em torno de sua figura histórica. E essas controvérsias influenciam diretamente também em suas representações já feitas, algumas dando destaque ao seu aspecto da bandidagem, outras com enfoque em sua luta pelos mais pobres", diz Wolney em entrevista ao Aventuras. 

"Com meu filme, o que quero não é escolher uma das facetas de Lampião para retratar, mas tentar retratar ele como um todo, sejam coisas boas ou ruins, com a intenção de valorizar principalmente sua história, quem ele realmente foi", prossegue. 

Retrato do Sertão 

Lampião, o governador do sertão contrapõe a imagem do temido líder cangaceiro à força simbólica e cultural que seu nome carrega até os dias de hoje. Ao mergulhar na complexidade de sua figura, o longa revela como Lampião transcendeu a história para se tornar um ícone duradouro da identidade nordestina.

Apesar do lançamento neste dia 1ª, Wolney nos conta que as filmagens começaram ainda em 2006. "Naquela época, eu comecei a desenvolver um projeto sobre o cangaço, e eu tinha duas opções: contar a história de Lampião ou focar em outra história, de Moreno e Durvinha, o último casal de cangaceiros, que ainda estavam vivos, lúcidos e ambos com mais de 90 anos". 

Considerando o achado de Moreno e Durvinha como "peças raras", Oliveira acabou optando pela produção do documentário Os Últimos Cangaceiros, lançado em 2011. "Mas a ideia de fazer algo sobre Lampião nunca saiu da minha cabeça. E anos depois, entre 2018 e 2020, comecei a gravar o primeiro documentário dedicado a ele". 

"E eu quis iniciar esse projeto porque, até então, não existia nenhum documentário sobre o Lampião, mesmo que ele já tenha sido representado várias vezes pela mídia. E ele, como um símbolo do sertão nordestino, era uma figura que chamava atenção para o que acontecia no Nordeste daquela época, por isso eu queria contar essa história".

Para buscar fidelidade à época, Wolney Oliveira aproveitou da longa pesquisa que fez para Os Últimos Cangaceiros, e mergulhou profundamente no dia a dia destas pessoas e da região em que atuavam. 

"Já sobre o Lampião em si, também foram aproveitados vários relatos e documentos históricos, que por si só colocam maior verdade no personagem, que já é uma importante figura cultural do cangaço. Além disso, também trabalhamos com cuidado nas roupas utilizadas nos figurinos, para não nos afastarmos muito do material fonte e também sermos mais fidedignos a como era", explica.

Herói ou vilão?

Uma das grandes discussões em torno da figura de Virgulino Ferreira da Silva é justamente sobre sua imagem e legado. Afinal, para uns, ele foi um herói; para outros, um bandido. Mas como o filme trata esse dilema? 

No filme, não quis focar exatamente se Lampião era bandido ou herói. A verdade é que ele foi as duas coisas — e muito mais", ressalta Wolney. 

O diretor, assim, destaca as duas faces do mesmo personagem. "Por um lado, ele era chamado de bandido implacável, que cometeu horrores em vários lugares que passou e sendo caçado pelas autoridades. Por outro, ele também ficou conhecido por lealdade aos moradores pobres do sertão, entrando em conflito e disputa principalmente com as pessoas mais ricas, e ajudando outras pessoas". 

"O que busquei foi apresentar a figura e a história dele com toda a complexidade que ela carrega, deixando para o espectador decidir o que pensa sobre Virgulino Ferreira da Silva, deixando o espectador pensando justamente sobre essas controvérsias após assistir", diz. 

Apesar da discussão em torno de Virgulino, Oliveira salienta que o maior legado deixado por Lampião é outro: a história do cangaço em si. "Ele trouxe a atenção do Brasil para o Nordeste". 

Justificando sua resposta, o diretor relembra que a atenção em torno de Lampião era tamanha que até mesmo ganhou o olhar do então presidente Getúlio Vargas, quem ordenou a caçada ao cangaço. 

"Fora isso, até hoje, a memória e influência dele são muito visíveis em várias regiões do Nordeste, como no Ceará, que têm ruas, prédios e até pratos típicos com nomes dos cangaceiros. Tem também lugares onde a economia e o turismo ainda giram em torno dessa história, com a venda de artesanatos que remetem ao cangaço, bem como outras peças de vestimento e acessórios", prossegue. 

Wolney aponta que o legado e a memória do cangaço seguem vivos até hoje e impactam diretamente o dia a dia de muitas pessoas que vivem nas regiões onde ele fez história. 

Para o longa, Wolney e equipe registraram os encantos do Raso da Catarina (BA).
(Foto: Léo Oliveira - Site/revistacariri.com.br


"Fato é que até hoje, um século após o cangaço, Lampião continua sendo lembrado. Então é inegável que sua história tenha continuado relevante, mesmo entre as gerações mais jovens. Sendo sua história ainda contada, seja pelo ponto de vista dos crimes que cometeu, seja pela resistência que ele enfrentou como líder do cangaço, essa história continua com grande relevância entre os mais jovens também por muitas culturas e regiões ainda se sustentarem muito graças aos vestígios do cangaço".

"Então espero que sim, que o filme consiga atrair atenção dos mais jovens para essa figura tão importante da história nacional e do nordeste brasileiro, que é marcante até hoje e que também merece um olhar crítico sobre si", finaliza.

quinta-feira, 26 de junho de 2025

O cangaço nas Alagoas

Os quatro de Matta Grande

Por Jaozin Jaaozinn

Nos anos de 1935, a campanha contra o banditismo fervilhava por todos os sertões. Não só contra eles, mas também contra aqueles que mais lhe apoiavam: os coiteiros. Em Alagoas, na fazenda Aroeirinha, das imediações da cidade de Mata Grande/AL, vivia Félix Alves Rocha, coiteiro de cangaceiros. Por sinal, era o senhor o qual Lampião tinha mais apreço nas redondezas, tanto pela lealdade quanto pela amizade que este tinha com seus “meninos”. Mas esta fama ia longe e, como um pássaro, notícias de seus trabalhos para bandidos voou até aos ouvidos do tenente José Joaquim Grande, onde deu o ultimato para o fazendeiro. 

Se não entregasse e cooperasse para a apreensão ou morte dos cangaceiros, seria ele quem arcaria com as consequências. Quem também sofria com esta angústia era o coiteiro Antônio Manoel Filho, conhecido Antônio de Amélia, do sítio Promissão, em que recebeu a mesma mensagem pelo dito militar. Afirmavam que Antônio se juntava com os cangaceiros e saía com eles para fazer estripulias, porém, em depoimento dele para a revista Região (1980) e ao Diário de Pernambuco (1935), disse que penetrou no bando entre os dias 16 e 17 de setembro, junto com o primo Sebastião Alves e o amigo Antônio Tiago — falaram que liquidaram um soldado para que os cangaceiros os aceitassem —, para vingar o compadre Antônio Mizael, sangrado por Corisco, e outras desavenças. Nessa tramoia, antes mesmo de entrar no grupo, combinou com Félix e seus filhos (Sebastião, João, Benedicto, e José Alves, o Zeca) e seus sobrinhos (Alfredo e José Alves da Silva, o Zuza) que iriam dar cabo dos bandidos, livrando, assim, dos crimes de “acoitagem”. 

No dia 18 de setembro, Virgolino deu os afazeres para os sub-grupos e outros pequenos bandos. O bandoleiro Suspeita foi incumbido de pegar algumas encomendas que estavam na fazenda Aroeirinha, de Félix, e depois matar os homens de nome Alfredo Curim, Zé Horácio da Ipueira e 6 ou 7 da família Bento. Para a missão, Suspeita chama os cabras Medalha, Fortaleza e o valente Limoeiro, além de Antônio de Amélia e cia. Com a certa desculpa de que iria preparar tudo, Antônio Manoel partiu primeiro para a casa do compadre, com toda certeza que iria avisar sobre a chegada dos homens. 

O grupo finalmente se arrancha no local. Faz as prévias saudações e ficam no terreiro da casa. O dia vai caindo e a noite vai se levantando; preparam então uma fogueira para se esquentarem. Alfredo e José Alves, o Zeca, já estavam postos; Zeca traz consigo uma rabeca para divertir mais ainda os cangaceiros, pois já estavam bebendo, comendo e jogando cartas descontraidamente. Estavam eles contando causos e relembrando alguns combates. Medalha estava em pé, "encorado" em uma catingueira; Fortaleza tinha colocado o seu embornal em um toco e escorou nele, ficando voltado ao fogo; Limoeiro ao lado de Tiago, ouvindo os assuntos; e Suspeita longe, conversando com Sebastião. Quando bem bêbados, os Alves botam o plano em ação.  

O de Amélia combinou que o primeiro a morrer seria Fortaleza, matado por ele, e que depois seria os demais. Aproveitou o cochilo do bandido e, com o fuzil em mãos, foi por trás, mira na cabeça e o tiro falha. Rapidamente, coloca o fuzil nas costas e passa por debaixo do galho, para despistar. Limoeiro, apreensivo, pergunta o que foi aquilo. Antônio de Amélia diz que a arma detonou na hora que passou pelos galhos. Assim, o cangaceiro voltou a repousar. Descarta a bala e coloca outra, deixando o fuzil preparado. Já estava amanhecendo, umas 04 horas da manhã; o proprietário da fazenda Promissão vai na fogueira e prepara o café. Antônio novamente pega o fuzil, vai até as costas do cabra, mira na sua cabeça e o armamento não nega fogo. Morre o primeiro. O bando acorda e se levanta rapidamente, mas não dão conta.

Tiago já havia se pegado em Limoeiro, enquanto Sebastião se atracou com Suspeita e Alfredo com Medalha.  

Sebastião enrola-se com Suspeita, e vendo que o cangaceiro iria puxar o seu longo punhal, pede para que alguém matasse o bicho, senão morreria rapidamente. Antônio de Amélia, então, dá uma coronhada na boca do bandoleiro, onde conseguem dominar e matar o rapaz. Morre o segundo. Correm até onde estava Tiago com Limoeiro que, mesmo ferido a bala, lutava feito uma fera. Sebastião pega nos cabelos do bandoleiro, afirma que foi ele quem matou Antônio Mizael, e atira contra o primo de Dadá. Morre o terceiro. Todos se juntam para onde Alfredo estava com Medalha, impedindo que o parente matasse o cangaceiro, com o objetivo de tirarem dele alguma informação. 

Em breve diálogo dele (Medalha) com Sebastião, pergunta: “como é que você faz uma coisa dessas; chamar seus parceiros para vir matar a gente?”. Tião responde: “vocês já estão acostumados a matar com facilidade, nós também podemos matar vocês com facilidade”. Porém, no meio da discussão, reparam que havia outro corpo inerte no chão. Era de Félix, pai de Alfredo e dos demais, que morreu ao se aproximar do local. Louco e sedento de sangue, Alfredo saca a pistola do bandido Limoeiro e atira bem na cabeça de Medalha. Morre o quarto.



Os mortos são levados em cima de animais até Inhapy — pertencente à Mata Grande/AL —, apresentando o resultado do combate e da perda lastimosa de Félix Alves para o tenente Joaquim Grande. Encomendam um caixão para o fazendeiro, enquanto simples mourões eram colocados para que fossem amarrados os cangaceiros. Chamam José Uchôa — o mesmo que fotografou o corpo do cangaceiro Cirillo de Engrácia no mesmo lugar e ano —, para imortalizar o momento com suas chapas iconográficas. Primeiro dos quatro sozinhos e depois os seus batedores.  Depois desta, os corpos foram enterrados no cemitério municipal do local: o de Félix certamente em cova familiar; os dos bandoleiros, em cova coletiva. Uma quantia de 4:070$000 foi achada em posse dos sequazes; o dinheiro foi dividido com todos.

Festa total com os moradores, e todos queriam ver a famosa foto. Os Alves ficaram conhecidos como “os matadores de cangaceiros”; alguns até pensaram em se alistar na volante. Porém, a tempestade maior viria. Corisco não deixaria isso passar impune, tampouco Lampião que foi traído por seu coiteiro. O corretivo chegaria, e seria feio. 

𝐹𝑂𝑁𝑇𝐸𝑆: 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝐷𝑖𝑎́𝑟𝑖𝑜 𝑑𝑒 𝑃𝑒𝑟𝑛𝑎𝑚𝑏𝑢𝑐𝑜, 1935; 𝑟𝑒𝑣𝑖𝑠𝑡𝑎 𝐴 𝑁𝑜𝑖𝑡𝑒 𝐼𝑙𝑙𝑢𝑠𝑡𝑟𝑎𝑑𝑎/𝑅𝐽, 1935; 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝐴 𝑇𝑟𝑖𝑏𝑢𝑛𝑎/𝑆𝑃, 1935; 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝐶𝑜𝑟𝑟𝑒𝑖𝑜 𝑃𝑎𝑢𝑙𝑖𝑠𝑡𝑎𝑛𝑜, 1935; 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝑅𝑒𝑔𝑖𝑎̃𝑜/𝐶𝐸, 1980; 𝐿𝑎𝑚𝑝𝑖𝑎̃𝑜, 𝐴 𝑅𝑎𝑝𝑜𝑠𝑎 𝑑𝑎𝑠 𝐶𝑎𝑎𝑡𝑖𝑛𝑔𝑎𝑠 — 𝐽𝑜𝑠𝑒́ 𝐵𝑒𝑧𝑒𝑟𝑟𝑎 𝐿𝑖𝑚𝑎 𝐼𝑟𝑚𝑎̃𝑜; 𝑆𝑟. 𝐺𝑢𝑒𝑟𝑟𝑎; 𝐶𝑎𝑛𝑔𝑎𝑐̧𝑜 𝐸𝑡𝑒𝑟𝑛𝑜 — 𝑐𝑎𝑛𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝑌𝑜𝑢𝑡𝑢𝑏𝑒; 𝑁𝑎𝑠 𝑃𝑒𝑔𝑎𝑑𝑎𝑠 𝑑𝑎 𝐻𝑖𝑠𝑡𝑜́𝑟𝑖𝑎 — 𝑐𝑎𝑛𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝑌𝑜𝑢𝑡𝑢𝑏𝑒.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Chegando por ai...

Lampião e Mossoró: Anatomia de uma derrota


É o novo trabalho do pesquisador Sérgio Dantas e será publicado em breve. A previsão é início do mês de julho de 2025.


Trata-se do aperfeiçoamento do seu primeiro livro, lançado há exatos vinte anos. Não é, porém, uma continuação deste e também não é uma nova edição. Trata-se de um livro inteiramente novo.

Como o leitor perceberá, as duas obras se complementam; se harmonizam. Na primeira se conta uma história; na segunda, são analisados alguns aspectos desta mesma história, porém cotejados com pontos que foram reputados pelo autor como curiosos, ou até mesmo questionáveis, ou ainda, pitorescos e que foram colocados no enredo de algumas interpretações surgidas em períodos posteriores ao LAMPIÃO NO RIO GRANDE DO NORTE – A HISTÓRA DA GRANDE JORNADA.

Este novo livro faz uma análise crítica do que aconteceu no Estado do Rio Grande do Norte naqueles idos de 1927. Tudo bem fundamentado, referenciado e submetido à crítica histórica. Tudo escrito às claras - sem se recorrer a indagações sem fim, a malabarismos históricos, a suposições sem lastro fático, a ‘verdades’ criadas. Trata-se de um texto que é resultado da comparação e análise sistemática das provas disponíveis, além de um estudo profundo da bibliografia pertinente, da tradição oral (muitas vezes questionável), documentos públicos e de centenas de notícias de jornal sobre os episódios ocorridos aqui no Rio Grande do Norte entre os meses de maio e junho de 1927.

Algumas lacunas históricas são supridas neste trabalho. É ele, em grande parte, o resultado de novas pesquisas feitas pelo autor - estas já iniciadas nos meses seguintes à publicação do primeiro livro em 2005 (Em “campo” foram repetidas algumas entrevistas e colhidos mais de uma dezena de depoimentos de outras pessoas às quais não estavam acessíveis em outras ocasiões).

O texto é racional, direito e revela o equilíbrio de quem não tem qualquer interesse político, familiar ou pessoal no enredo.

O livro será publicado sem "pré-vendas" e oportunamente será informado o valor do exemplar e onde adquirir.

Aguardem!

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Resenha: Maria e o Cangaço

Entretenimento sim, História, não!

Por Junior Almeida

Foto: Divulgação

Em exibição no streaming Disney Plus desde 4 de abril (de 2025) a série “Maria e o Cangaço”, que tem seu enredo baseado no livro da escritora Adriana Negreiros, “Maria Bonita, Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço”, publicado em 2018. A obra cinematográfica da produtora norte americana, evidentemente, despertou a curiosidade de milhares de cinéfilos, além dos muitos pesquisadores do cangaço. Como historiador que se dedica a cascavilhar a sangrenta saga nordestina, assim como demais colegas, também me interessei em assistir aos seis primeiros capítulos da temporada de estreia, decidindo, assim que o fizesse, tecer alguns comentários a respeito da referida produção. Deixando claro que além de ver o trailer da própria série, praticamente não li nada a respeito sobre a obra, um ou outro anúncio, ou chamada de matérias, isso, para não me deixar influenciar pela opinião dos outros. Pela compreensão de tudo que vi no filme e consegui entender, respeitando sempre quem pensa diferente, vamos às MINHAS observações:

A fotografia do filme é impecável. Os cenários naturais, destacados pelas imagens aéreas de drones são belíssimos. As imagens da Baixa do Chico, em Glória, na Bahia, com seus majestosos cânions secos, são uma atração à parte da película. As terras da árida Cabaceiras, na Paraíba e Piranhas, em Alagoas, ambos municípios sertanejos, também foram usadas nas locações da série. Na chamadas “Lapinha do Sertão” e “Roliúde Nordestina”, eu tive a oportunidade de conhecer alguns desses cenários, os naturais, e os montados pela produção da série. Na segunda cidade, a casa/museu do Padre Ibiapina, localizada ao lado esquerdo da igreja que serviu de cenário para o maravilhoso “O Alto da Compadecida”, clássico do cinema nacional, em “Maria e o Cangaço” é a sede das forças de repressão ao banditismo. Foi nessa casa que aconteceu um dos tiroteios fictícios entre militares e cangaceiros. Outro imóvel de Cabaceiras, esse, ao lado direto da referia igreja, que os Estúdios Disney usaram em suas filmagens, foi a fictícia bodega de um coiteiro e compadre de Lampião, assassinado covardemente pelo sádico personagem tenente Silvério Batista. Em setembro de 2024, estive em Cabaceiras, no evento “Borborema Cangaço”, conhecendo esses lugares. Havia pouco tempo que a equipe do Disney esteve por lá, filmando, deixando as celas no museu do Padre Ibiapina e a bodega/cenário ainda montadas, servindo como atração turística. Bela sacada das pessoas de lá.

Como pesquisador às vezes é um “bicho” meio chato, encontrando até mesmo uma vírgula fora do lugar na obra de um colega, não poderia deixar de observar alguns detalhes da série, que não condizem com a realidade do que foi a grandiosa e sangrenta História do cangaço. Logo na abertura do primeiro capítulo, aparece a legenda informando que a obra “é baseada em fatos reais”. Não é bem assim. Em minha modesta opinião, ficaria melhor a informação de que tal filme “continha personagens reais e imaginários em um enredo fictício.” Seria mais lógico e honesto.

Na série, a indumentária dos atores/cangaceiros, não é o que de fato existiu no cangaço. No lugar da mescla caqui e azul dos bandoleiros, os chamados guerreiros do sol usam gibões de couro, parecendo, aos olhos menos atentos, com simples vaqueiros. Os chapéus de abas quebradas dos cangaceiros não têm os adereços que conhecemos, especialmente da fase mais exibicionista do cangaço lampiônico, como as estrelas de Davi, encontradas nos chapéus dos ditos capitães Virgulino e Corisco, dentre outros, ou mesmo a simples cruz, do chapéu de Candeeiro II (Manoel Dantas Loiola). O que vemos na série são chapéus adornados com várias estrelinhas de metal, dessas usadas em peças de couro, como o chapéu coco do vaqueiro ou arreios para animais. Além da diferença da vestimenta, também falta o colorido dos bordados nos bornais. No filme, essas peças parecem mais com rotos bisacos de caçador.

Uma mudança nos antagonistas da saga cangaceira, esse sim, um erro grotesco, é que ao invés de lutarem contra as forças policiais dos Estados nordestinos, os cangaceiros têm como seu ferrenho perseguidor o Exército Brasileiro, com direito da exibição em cena, do símbolo daquela instituição militar. Como se não bastasse a nódoa histórica pelo EB ter assassinado os miseráveis de Canudos, ter implantado a ditadura no país em 1964, além de episódios mais recentes, agora, vem uma produtora estrangeira associar a imagem da respeitada instituição a eventos em que não participou diretamente. Decisão infeliz dos produtores, em inserir o “Braço Forte Mão Amiga” no enredo. Aliás, o roteiro é todo pró cangaceiro, pois todas as mortes praticadas pelo personagem inimigo principal dos bandoleiros, foram realizadas com atos de covardia. O filme é feito para quem assiste odiar a força policial, no caso, o Exército.

Ainda no primeiro episódio da série, que se passa em 1932, aparece um veículo de transporte para os militares. Como a cena mostra o caminhão de longe, não dá para identificar bem o modelo. Parece ser um GMC CCKW, esse, que começou a ser produzido a partir de 1941, mas se o veículo usado nas cenas foi o Reo, fica mais anacrônico ainda, pois o primeiro modelo desse bruto só começou a ser fabricado em 1950.

A talentosa Ísis Valverde, a primeira dama do cangaço, no enredo, portanto personagem a principal da série, é mineira de Aiurioca. Pode ela interpretar o papel da baiana Maria Bonita?! Lógico que sim. A carioca Tânia Alves, por exemplo, até hoje é lembrada como a Maria Bonita, do seriado da Globo de 1982, no que ela mesma diz que “não foi ‘um’ papel e, sim ‘o’ papel” de sua carreira. O problema, em minha opinião, é o sotaque da atriz, que para quem é de fora da região, pode até passar despercebido, mas, para um nordestino raiz, desses do interior, soa estranho. Ficou caricato. Um estereótipo do que geralmente as emissoras do Sudeste fazem do nordestino. Outra coisa, que não gostei, foi uma espécie de escorbuto que arrumaram para a rainha do cangaço. Pelo que se sabe, ou o que se sabia, até então, é que Maria Bonita tinha uma dentição perfeita, dentes certinhos e brancos. O amarelo da boca de Ísis Valverde ficou feio, aparentando falta de higiene da mulher de Virgulino.

Quanto ao gaúcho Júlio Andrade, o Lampião do filme, para mim, assim como Isis Valverde, o problema é a maneira de falar. Não que seja da minha conta, claro, mas questiono: será que em todo Nordeste, capitais ou interior, não tinha um ator traquejado com a fala e os costumes da região que pudesse atuar nesse papel?! Acredito que sim.

No segundo capítulo, aparece uma cena aonde o tenente Silvério mata covardemente um agricultor, mesmo obtendo dele informações do paradeiro de Lampião, fazendo com que o espectador alimente ódio às forças de repressão ao cangaço. Como dito, aliás, o enredo é bem parcial nesse sentido, pois enquanto mostra cenas como essa, de covardia dos homens da lei, por outro lado, sempre procura mostrar que os cangaceiros são sertanejos de fé, místicos, com suas rezas fortes de fechamento de corpo. Até na abertura da série, umas das primeiras imagens é de um oratório, ligando-o aos cangaceiros. No terceiro episódio, em uma cena em que o volante Silvério Batista chega ao coito e não encontra ninguém, então esbraveja perguntando "quem foi a 'alma sebosa' que avisou aos cangaceiros para que eles fugissem". Expressão totalmente anacrônica, que não existia na época. Esse termo se não criado, foi muito disseminado pelo apresentador pernambucano Joslei Cardinot, quando apresentava seu programa policial na Tv Tribuna, do Recife. Mais à frente, a atriz que interpreta “Lídia de Zé Baiano”, que na série tem outro nome (como veremos adiante) usa uma expressão que não era dela, ao dizer que "o cangaceiro quis 'abusar' dela". Quanto refinamento nas palavras de pessoas tão rudes. Não acredito que condiz com a realidade da época e lugar.

Outras cenas do enredo, que acredito estarem dentro da chamada licença poética, não da história real, é a que mostra a recém parida Maria Bonita, fugindo, cavalgando de pernas escanchadas no animal, bem como o batizado de Expedita, com apenas Lampião e sua companheira, sem nenhuma segurança, um fato impensável para quem entende o mínimo de cangaço. Nesse episódio do batizado, foi realizado um ataque da força volante, isso, por conta de uma delação de um irmão de Maria de Déia. Depois, por conta dessa suposta traição, o irmão de Maria Bonita foi ferrado pelo cangaceiro Zé Bispo (Zé Baiano) e, depois assassinado, novamente pelas costas, pelo tenente Silvério Batista. Tal evento nunca existiu na História do cangaço! Está apenas na fantasia de série.

No capítulo quatro, Maria Bonita é quem flagra a mulher do cangaceiro Zé Bispo (Zé Baiano), com Lourdes (Lídia) em adultério com o cabra Curió. Na trama, prevendo o que poderia acontecer, a companheira de Lampião deu dinheiro à imprudente bandoleira, para que ela e o amante pudessem fugir. Pura fantasia. Por outro lado, como na vida real, a mulher adúltera foi morta a pauladas pelo seu companheiro, sendo diferente da realidade o desfecho, pois na série, dois cangaceiros foram mortos, o “urso” e o cangaceiro que também queria foliar com Lídia, ou melhor: com Lourdes, quando sabemos que o bandoleiro que corneou Zé Baiano, protegido pelo chefe Corisco, não foi morto nesse episódio. Por falar no chamado “Gorila de Chorrochó”, no filme, o deixaram com um tom de pele mais claro e tiraram-lhes os cabelos. O Zé Baiano (Zé Bispo) da série é moreno claro e careca.

Ainda, uma coiteira baiana de nome “Fideralina” (referência à baiana Dona Generosa, ou à matriarca cearense da família Augusto? À segunda não deve ser, pois essa faleceu em 1919) é incumbida por Lampião de comprar terras para ele, mas termina o traindo para roubá-lo, sendo mutilada como punição. Na ficção, essa coiteira é muito culta e tem uma filha que canta em inglês e toca no piano músicas clássicas. Fideralina acompanha a filha, pois é uma talentosa soprano. Puro glamour em meio às caatingas baianas.

No capítulo cinco, outra licença poética do enredo, pois Maria Bonita é presa, quando ia fugindo, após o volante Silvério Batista, sempre apresentado como sádico e covarde, ameaçar matar a pequena Expedita, apontando-lhe uma arma na sua cabeça. Neste mesmo episódio, uma cena inimaginável para quem estuda cangaço: furiosa, Dona Déia confronta Lampião, o chamando de maldito, por conta de ele ser o responsável pela morte de um dos seus filhos, no caso, o seu cunhado, três anos antes. O detalhe que chama atenção nesse capítulo, é o agravamento da tuberculose de Lampião. Essas cenas teoricamente se passam em 1935. Corroboram para esse pensamento, a passagem em que Maria Bonita é Baleada. Na vida real, tal evento ocorreu em julho daquele ano, em terras pernambucanas de Serrinha do Catimbau, então distrito de Garanhuns, Pernambuco. Nessa passagem, foi dada mais emoção ao caso, pois a baianinha, que estava presa, foi resgatada a cavalo pela cangaceira Dadá, mas quando fugia em sua garupa, o tenente Silvério (sempre ele) atirou nela pelas costas. De acordo com a História, sem contar Angico, a única vez que Maria de Déia foi baleada, foi em 20 de julho de 1935, em local já citado.

Nesse mesmo episódio, dar-se um pulo no tempo, mostrando Maria já curada na data de 7 de março de 1938 e, dizendo que já são sete meses depois dos ferimentos da bandoleira, portanto, tal ação teria ocorrido em agosto de 1937. Outro confronto de datas da vida real para série, é que aparece ao bando, Benjamin Abrahão, capturado e desconhecido de Lampião e seus cabras. Historicamente as datas não batem. O chamado Turco já era conhecido de Lampião desde 1926, em Juazeiro. Outra coisa: as filmagens de Benjamim foram realizadas em 1936, portanto, um ano antes do que mostra o filme. Também achei o vocabulário dos cangaceiros do filme bem refinado, o que não condiz com o linguajar sertanejo de homens sem instrução daquela época.


No último episódio, um primeiro tenente (Silvério Batista, no enredo, é segundo tenente) chega à sede de operações policiais e, ao perceber o desleixo dos militares, fala que “sabe porque essa praga comunista que chamam de cangaço não se acaba.” Essa passagem nos chamou atenção, tendo em vista, que na História já se tentou ligar o cangaço ao comunismo, mas, isso com pouca frequência. Em um desses episódios, Frederico Pernambucano de Mello, citando o jornal Gazeta de Notícias de 26 de agosto de 1936, nos conta em seu “Estrelas de Couro a Estética do Cangaço” o seguinte:

O secretário do Interior e Justiça do Ceará, Martins Rodrigues, membro da poderosa Liga Eleitoral Católica, a LEC, movimento direitista simpático ao governo, em visita à cidade de Juazeiro do Norte no mês de agosto de 1936, em discurso às lideranças locais, disse com ares de mistério que tinha consultado ‘certos documentos’ no Rio de Janeiro, que lhe permitiam sustentar que os dirigentes do extremismo vermelho não tinham escrúpulos de lançar mão de todos expedientes e elementos, até mesmo de cangaceiros como Lampião, para serviço de seus sinistros planos.

Para nós, do meio “cangaceiro”, uma grata surpresa no último episódio da série, por conta da aparição do talentoso poeta Neto Ferreira, de Campina Grande, declamando em uma típica feira nordestina, pouco antes de eclodir um tiroteio entre Lampião e policiais. Uma cena emocionante, que gostei, foi a que aparece Maria Bonita, triste, imaginando estar com a filha Expedita, sentindo a sua falta. Acredito que isso deve sim ter acontecido por várias vezes, afinal, a bandoleira era mãe. Por falar na filha de Lampião, no seriado Expedita teria sido criada por uma tia, e não pelos vaqueiros Manuel Severo e sua mulher Aurora. Neste mesmo episódio, Lampião e Maria Bonita abandonam seu bando, com o propósito de fugir, depois se arrependem e voltam para os seus comandados. Passagem impensável para quem conhece do assunto.

Outras disparidades históricas da série, por mim observadas: a morte de Zé Baiano se dá em 1938, e não em 1936, como aconteceu de verdade e, ao invés de ser morto por civis, na ficção, ele é assassinado por um outro cangaceiro. Nas cenas finais, não aparece a figura do coiteiro Joca Bernado, nem toda trama que culminou na morte do rei do cangaço e parte de seu bando. No enredo dos Estúdios Disney, quem entregou o coito de Lampião foi um cangaceiro desgarrado do bando e, depois da delação, foi (novamente) covardemente assassinado pelo tenente Silvério Batista. No dia do combate em Angico, Corisco sozinho, é quem faz o parto de Dadá e, por isso não atravessou o rio para se encontrar com Lampião no coito. No início da das cenas do combate de Angico, Lampião orienta Maria Bonita “a pegar Sila e Inacinha e fugir. Como assim?! Inacinha tinha sido presa em Piranhas, dois anos antes, portanto, não estava em Angico. Para ser mais específico, a frase dita pelo Lampião da série foi:

Tu (Maria Bonita) pega Sila e Inacinha e as outras, e arriba!

Outra fantasia dessa passagem, é que todos os cangaceiros viram quando os homens do Exército estavam chegando e cercando o local para ataca-los, diferente do que realmente aconteceu em Angico, onde a força chegou na surdina. Aliás, o local da morte de Lampião, no filme, é bem diferente de onde aconteceu o fato. Em “Maria e o Cangaço”, a batalha final se deu em campo aberto, numa planície. Na minha opinião, já que a equipe do seriado estava na região, bem que poderiam ter usado o cenário real, a Grota de Angico, para essa filmagem. Neste tiroteio do filme (Angico), morreram três mulheres, isso ainda quando Maria Bonita atirava ao lado de Lampião, quando se sabe que na história do derradeiro combate de Lampião foram duas as mulheres a morrer; Enedina, mulher de Zé de Julião, o Cajazeira, e a própria Maria Bonita.

Nos créditos da produção aparece como tendo dado consultoria à equipe da série, o Mestre Frederico Pernambucano de Mello e Jairo Luiz Oliveira, de Piranhas, dois experientes estudiosos do cangaço. Por tudo que vimos nos seis capítulos do filme, ficou a impressão de que a dupla de pesquisadores não teve acesso à totalidade do roteiro, ou mesmo a ideia de que suas opiniões não foram levadas em conta, pois são erros bobos, que poderiam muito bem não aparecer no filme. Se tivesse que dar uma nota à série, como entretenimento, minha nota seria alta, mas isso, analisando a película como fantasia, pois se a nota fosse dada pela análise da História, seria pequena, pois, da maneira como foi produzido, acredito que o filme vá muito mais confundir a cabeça dos que estão iniciando suas pesquisas cangaceiras. 

Em MINHA opinião, a série “Maria e o Cangaço” é uma boa pedida como entretenimento, como História, não! 

Desmontado

 𝐎 cavalo do "𝐂apetão"

Por Jaozin Jaaozinn


Fotografia do capitão Osório (ou Ozório) Cordeiro da Silva — comandante da força baiana —, após guerrear com o grupo de Lampeão no Raso da Catarina, região baiana, no início do mês de janeiro de 1932. Dentre os espólios, entra em destaque o cavalo que pertenceu ao Rei Cangaceiro, agora em posse do militar. Registro batido por repórteres do jornal Diário da Noite/RJ, em 1932.

Na reportagem afirma que após esse confronto, o grupo cangaceiro se dirigiu para o Estado de Sergipe, se aproximando das terras pertencentes à antiga Aquidabã/SE, tocando o terror nos habitantes e moradores locais. Depois, no dia 6 de janeiro, invadem a cidade de Canindé/SE (conhecida Canindé de Baixo), onde depredam e queimam casas/comércios e são ferradas, por Zé Baiano, três mulheres (Maria Marques, Anízia do Forno e Isaura): duas por usarem cabelos curtos (Anízia e Isaura) e uma por ter parentesco com volante (Maria).

(Obs: questão essa, da saída do Raso para Sergipe, que difere das informações publicadas por outros pesquisadores, porém, no momento não vem ao caso)

Ademais, ainda no periódico, cita a estadia do coronel João Felix de Souza, comandante das tropas da Bahia, nos sertões com o intuito de avaliar as diligências contra os bandidos e propor uma perseguição dura contra os coiteiros. Disse, com toda razão, que um dos motivos da polícia não conseguir chegar "de vez" no "Capetão", é pela forte rede de proteção e informação que este tem através de seus coiteiros. Podemos dizer que foram a base principal do cangaceirismo; sem eles, certamente grupos ou bandoleiros solos não iriam resistir por tanto tempo. Em comparação, o resultado do trabalho do coronel João Félix com os sertanejos foi maior do que as atribuladas ações do sangrento tenente Dourado (ou Douradinho) — que defendia também uma dura retaliação contra os protetores de cangaceiros; todavia, praticava crueldades em excesso contra os acusados e contra sertanejos que não tinham nenhuma ligação com o cangaço —, que torturava, matava e espancava sertanejos inocentes.

Outro fato de suma importância e que é pouco relatado, é o êxodo de famílias sertanejas dos sertões, em específico daquele ano, da Bahia e Sergipe. Após os abusos praticados por ambos os lados (volantes e cangaceiros), bem como suas moradias serem destruídas, muitos clãs decidiram sair de suas terras e migrarem para a Capital do Estado ou então para cidades e/ou povoados que estivessem longe da área de atuação de Virgolino. Querendo ou não, o cangaceirismo contribuiu e muito para a fuga de inúmeros sertanejos de sua terra natal para cidades grandes; consequentemente, aumentou-se também o número de nordestinos nas regiões do "sudeste modernizado", boa parte deles morando na rua. 

Ou seja, nem sempre o motivo era seca e fome, mas também a exagerada violência nos "grotões do Norte" que quase acabou com famílias inteiras, obrigando-as a largarem tudo o que tinham para salvarem as suas vidas. De qualquer forma, a saudade do seu rincão perdura, e agora o novo inimigo é a xenofobia impregnada na "sociedade inovada"; e em momentos, certas palavras dirigidas para os retirantes feriam mais que as pontas finas dos punhais nas costas ou as bofetadas de chicote no rosto ou nas mãos.

𝐹𝑂𝑁𝑇𝐸𝑆: 𝐽𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙 𝐷𝑖𝑎́𝑟𝑖𝑜 𝑑𝑎 𝑁𝑜𝑖𝑡𝑒/𝑅𝐽 — 𝟏𝟗𝟑𝟐; 𝑟𝑒𝑣𝑖𝑠𝑡𝑎 𝑂 𝐶𝑟𝑢𝑧𝑒𝑖𝑟𝑜/𝑅𝐽 — 𝟏𝟗𝟑𝟐; 𝑍𝑒́ 𝐵𝑎𝑖𝑎𝑛𝑜 — 𝑅𝑜𝑏𝑒́𝑟𝑖𝑜 𝑆𝑎𝑛𝑡𝑜𝑠.